Chegaram, fixaram-se e não atravessaram o rio. Não que o Tejo os assustasse, não que não soubessem nadar. Ao fundo os guindastes lembravam sobreiros isolados no meio da planície e o movimento nos estaleiros era tão grande que mais lembrava a Feira de Abril. Era mais fácil ficar ali, próximo das fábricas de tratamento da cortiça, matéria prima que lhes lembrava os montados que dão sombra nos dias quentes de Verão, o musgo que por baixo deles crescia e que apanhavam no Natal em romaria, uma cesta de musgo numa mão e uma medronheira debaixo do braço para a árvore de Natal. Chegaram-se, fixaram-se aí e não atravessaram o rio. Não que a urbe os assustasse, mas era mais aconchegante ficar ali onde o sotaque era o mesmo, 20, 30, 40 anos depois. Com os vizinhos era mais fácil partilhar pão alentejano, trocar chouriças e paios, organizar viagens colectivas à terra na altura das matanças, nos final de Janeiro e Fevereiro. Chegaram-se, fixaram-se aí e não atravessaram o rio. Não que a língua fosse diferente, mas era mais agradável, sabia mais a casa partilhar brincadeiras, lembrar o monte e os corgos, a silveirinha e os monturos, a vizinha tabaneza que passa a tarde no pial, a Bia que já anda mais entoiçadinha e já acode quando lhe bradam a caminho da fonte. Chegaram-se, fixaram-se aí e não atravessaram o rio, porque não lhes apeteceu. Muitos deles jazem agora num cemitério instalado mesmo à beira da auto-estrada, quiçá para levar as suas almas mais rápido para o céu mas sempre com escala pelo Alentejo.
¶ 4:18 AM
Tuesday, January 23, 2007
Marc Almond Há coisas que não se compreedem. Como é que este senhor que é uma verdadeira diva da música Pop nunca deu um concerto em Portugal, enchendo o Coliseu de Lisboa com a imponência de temas como "Glorious", o ritmo frenético de "Memorabilia" ou a revisitação do ultra-trauteado "Tainted Love". Será falta de ousadia dos promotores? Falta de interesse do próprio? Felizmente tive a sorte de vê-lo na Saartory Saal em Colónia, em 1988, e gostaria que em Portugal tivessem a oportunidade de admirar a soberba teatralidade do personagem Marc Almond. Não se trata de revisitação fútil dos anos 80. É uma questão de elementar justiça para nós e para ele.
¶ 3:59 AM
Tuesday, January 16, 2007
Colossal Youth
Não vi ainda o filme "Juventude em Marcha" do Pedro Costa e consta que é muito bom. Mas serve esta nota para referir o extremo bom gosto que é ter intitulado o filme "Colossal Youth" na versão inglesa, uma alusão directa ao excelentíssimo disco dos Young Marble Giants, com o mesmo nome. Se ainda não tem, compre que não se vai arrepender. A colocar no patamar de grandes discos obrigatórios em qualquer discografia tais como:
Durutti Column - Amigos em Portugal.
Este disco brilhante de início dos anos oitenta foi gravado durante uma noite nos estúdios da Valentim de Carvalho. Os Durutti Column captam aqui muito bem o som dolente de Lisboa. A guitarra de Vini Reily está lá, mas cheira a fado. O disco arrepia e faz-nos viajar por ruas empredradas de calçada, pelos cheiros da cidade, com a guitarra vai tocando baixinho, gemendo devagarinho. Como bónus teria posto neste disco o tema dançante "Fado", com um sample da voz de Amália. Os amigos de Portugal agradecem este disco brilhante... É pena que tenha demorado tanto tempo a ser editado em CD e lamentável que não tenha tido maior divulgação. Mas as coisas boas são para ser preservadas da massificação.
¶ 4:07 AM